terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A Luta das Mulheres que Enfrentaram uma Multinacional e Venceram


Traduzido por I.G.D.



Este é um relato de uma revolta extraordinária, um movimento de 6.000 trabalhadoras de um grau de educação baixíssimo que enfrentaram uma das empresas mais poderosas do planeta. Em um país dominado pelo machismo, desafiaram o mundo dos sindicatos e partidos políticos, dominados por homens, negando-se a deixar que estes controlassem sua luta. E o mais importante: venceram.
É muito provável que você tenha desfrutado dos ganhos do seu trabalho. Estas mulheres são coletoras de chá no belo Estado de Kerala, no sul da Índia. Trabalham para uma gigantesca companhia de plantações, chamada Kanan Devan Hills Plantations, que em parte é propriedade e em grande medida está controlada pela multinacional indiana Tata, proprietária da Tetley Tea. A faísca que desencadeou o protesto foi uma decisão de anular a bonificação que é paga às coletoras de chá, mas as raízes do conflito são muito mais profundas.

Somente Elas
Os trabalhadores e trabalhadoras do ramo do chá na Índia não recebem um tratamento digno. Quando investiguei o setor em Assam, no mês passado, observei que as condições de vida e de trabalho eram tão ruins, e os salários tão baixos, que as trabalhadoras do chá e suas famílias sofriam de desnutrição e estavam expostas a enfermidades mortais. Parece que a situação em Kerala não é muito diferente. Parte das queixas das mulheres é que estas vivem em cabines de uma só cama, sem banheiro nem quaisquer outros equipamentos básicos, e ainda que ganhem significativamente mais que suas colegas de Assam, dizem que as 230 rupias (equivalente a 3,50 dólares) que recebem de salário é a metade do que ganharia um trabalhador em Kerala.
Quando, em meados de setembro, as mulheres de Kerala reclamaram para que se restabelecesse a bonificação – junto com um aumento do salário e das condições de vida –, não só desafiaram a empresa que as empregam, como também aos sindicatos que supostamente as representam. As trabalhadoras alegam que os líderes sindicais, homens, estão aliados com a direção da empresa, negando as mulheres seus direitos e salvaguardando os melhores postos para eles mesmos.
Quando houve uma queda nos preços do chá há alguns anos e alguns latifundiários abandonaram suas plantações, segundo as mulheres, os líderes sindicais sempre conseguiram manter seus empregos. Também disseram que os sindicatos não fizeram o suficiente para fazer com que seus maridos deixassem de gastar sua renda em bebidas sem garantir a educação de seus filhos, nem atender as necessidades sanitárias de suas famílias. E demonstraram que eram capazes de levar a cabo um protesto efetivo sem ajuda dos sindicatos.

“Mulheres Unidas”
Quando 6.000 mulheres ocuparam a rodovia principal que conduz à sede central da companhia proprietária das plantações, a manifestação foi organizada por elas mesmas, que em sua maioria, não possuíam quaisquer antecedentes de ativismo sindical. Se chamaram a si mesmas de “Pempilai Orumai”, que significa “Mulheres Unidas. Em outra ação, as mulheres ocuparam o Munnar, um dos destinos turísticos mais populares de Kerala. O comércio e o turismo ficaram quase totalmente paralisados. Muitas das palavras de ordem se dirigiam abertamente aos dirigentes sindicais. “Colhemos o chá e levamos os sacos em nossos ombros, enquanto vocês levam as bolsas com o dinheiro”, dizia um cartaz. “Nós vivemos em cabines de estanho, vocês têm bangalôs”, dizia outro.
Quando os dirigentes sindicais, homens, trataram de se unir junto com a manifestação, estes foram expulsos. As mulheres atacaram um ex-dirigente sindical com suas sandálias. O homem teve que ser resgatado pela polícia. Em outro incidente, as manifestantes arrancaram os mastros localizados no exterior do edifício dos sindicatos. E ainda, rechaçavam e perseguiam políticos locais que queriam fotografar-se oferecendo seu apoio. As mulheres insistiram que continuariam com seus protestos até que se vissem satisfeitas de suas demandas.
No princípio, a empresa se mostrou desafiante, mas depois de nove dias de protestos e negociações intensas, supervisadas pelo primeiro-ministro do Estado, a empresa cedeu. Foi uma vitória sensacional: um grupo de mulheres semianalfabetas se enfrentaram com um dos interesses mais poderosos do Estado... e ganharam. As mulheres haviam se engajado nas conversações e forçaram a direção a aceitar sua reivindicação de restabelecer a bonificação de 20%. Enquanto isso, líderes sindicais, todos homens, tiveram que engolir seu orgulho e assinar o acordo negociado pelas mulheres.

Nada a perder
Mas a guerra, apesar de tudo, não havia terminado. A questão do aumento salarial teve de ser negociada separadamente e quando não se satisfez a demanda das mulheres de incrementar os salários, os sindicatos lançaram uma campanha por tempo indeterminado para reivindicar um aumento de 232 rupias para 500 rupias. Em parte, isso tinha como finalidade resgatar a direção sobre o êxito da luta das mulheres. Estas rejeitaram tomar parte de tal prática dos sindicatos e lançaram suas próprias exigências, de modo independente, de um aumento salarial.

Em meados de outubro, alguns ativistas sindicais do sexo masculino, supostamente atacaram uma manifestação de mulheres, a base de pedradas. Seis pessoas foram feridas, mas não gravemente. Mas as mulheres seguem decididas a continuar com a luta. “Não temos nada a perder”, disse Lissy Sunny, uma das dirigentes do “Pempilai Orumai”, em declarações para o site de notícias India Catch. “A fome e o sofrimento fazem parte de nossa vida. Não nos preocupamos, mesmo que morramos de fome. Mas não deixaremos que nada nos explore. Já basta! ”.

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