Por Zhou Enlai
11 de Novembro de 1928
(Traduzido por I.G.D.)
Camaradas, é certo que muitas das ideias incorretas a
respeito da linha política do Partido são reflexo das circunstâncias objetivas,
mas não é menos que uma das causas mais importantes de sua existência consiste
em que as organizações do Partido não se bolchevizaram ainda, e que são
advertidas no Partido numerosas manifestações da ideologia não proletária. Como
o Partido Comunista da China foi fundado depois do Movimento de 4 de Maio(1),
em um momento em que não existia nenhum outro partido político revolucionário,
sendo o Kuomintang simplesmente um bloco de burocratas e politiqueiros,
entraram em nosso Partido numerosos elementos radicais da pequena burguesia,
mesmo elementos burgueses. E sobre todo o período da cooperação entre o
Kuomintang e o Partido Comunista, ingressaram nas fileiras deste último uma
grande massa de elementos pequeno burgueses. Em consequência, nada mais para
alterar a situação da revolução, muitos membros do Partido vacilaram e tomaram
uma atitude passiva, traíram abertamente o Partido entregando-se ao inimigo e vendendo
aqueles que haviam sido seus camaradas. Após a Reunião de 7 de Agosto(2) se
formulou o lema de “renovar o Partido”, sob a qual foram expulsos do Partido
decididamente todos os elementos vacilantes e reestruturaram os órgãos
dirigentes, o que permitiu reforçar, de forma paulatina, a posição da ideologia
proletária no seio do Partido. Mas, até hoje, as organizações do Partido
carecem de uma sólida base proletária e se advertem nelas ainda muitas
manifestações da ideologia pequeno burguesa. Particularmente, devido a que, na
composição de classe do Partido, os militantes de origem camponesa representam
pelo menos 75%, é oferecido um terreno adubado para uma ampla difusão da
ideologia pequeno burguesa. Com a finalidade de realizar a bolchevização do Partido,
é necessário, antes de tudo, fortalecer sua base proletária e, ao mesmo tempo,
continuar renovando suas organizações e combater com maior firmeza a ideologia
pequeno burguesa. Por conseguinte, logo
depois de examinar nossa linha política, devemos fazer uma minuciosa revisão dos
erros relacionados com os conceitos de organização.
Primeiro, tendência ao ultrademocratismo. Antes, no
organizativo existia uma forma de “patriarcalismo” caracterizada pela
obediência mecânica dos militantes de nossas fileiras às ordens ditadas pelos
organismos dirigentes do Partido e das organizações inferiores às superiores, e
pela ausência de toda vivacidade no interior do Partido. Agora, como chegou o
momento de renovação do Partido, muitos lugares passaram para o ultrademocratismo.
Há membros do Partido que se permitem não cumprir com as decisões deste. As
células do Partido não tomam qualquer atitude em exigir explicações aos órgãos
superiores do Partido quando estes emitem tal ou qual circular sem submetê-la
previamente para a sua aprovação. Há, além disso, militantes que acham que tem
o direito de atuar em livre arbítrio, sem qualquer autorização do Partido. Tais
ideias ultraliberais pequeno burguesas podem significar a desintegração da
organização do Partido e mesmo sua destruição total. Deixa-se sentir também um
conceito incorreto do que é igualdade. Por exemplo, no que se refere aos gastos
financeiros, se exige uma distribuição rigidamente igualitária sem ter em conta
as circunstâncias e a distinta importância do trabalho. Isso reflete ainda mais
nitidamente a ideia de propriedade igualitária, própria da mentalidade
camponesa, ideia que devemos eliminar com singular rigor.
Segundo, má compreensão da luta contra o oportunismo.
Lutar contra o oportunismo supõe principalmente eliminar as linhas oportunistas
tanto no campo político como no organizativo, mas alguns camaradas tendem a
lançar ataques pessoais, afrouxando assim a crítica das concepções
oportunistas. Como se o oportunismo pudesse ser eliminado apenas levando abaixo
a uns poucos indivíduos. Ignoram que o oportunismo tem raízes muito profundas e
que não será erradicado através da expulsão de alguns indivíduos. Claro, o
Partido não tem outra alternativa a não ser expulsar todos aqueles elementos
incorrigíveis com sistemáticas ideias oportunistas, pois apenas assim pode fortalecer-se
a si mesmo. Mas, depois de tudo, o principal reside em criticar todas as
concepções oportunistas e assegurar que todos os camaradas do Partido tenham
uma clara compreensão a respeito. Só então é possível canalizar a linha
política do Partido pelo caminho correto. Em quanto a prática de aproveitar-se
de algum defeito de outro para exagerá-lo por simples rancor pessoal, é sem
dúvidas uma politicagem, algo absolutamente incompatível com um partido
proletário.
Terceiro, querelas pessoais. A luta contra o oportunismo
e o putchismo é, antes de tudo, sumamente importante no campo político, mas uma
vez que a luta política se volta exclusivamente contra um ou outro, surgem
certamente disputas pessoais inacabadas. Atacar outra pessoa, ou rejeitar uma
crítica por parte dela, ou especular sobre suas razões somente por conta de
rixas pessoais, sem examinar seu trabalho e suas posições do ponto de vista do
Partido, criarão uma interminável rixa dentro deste, e isto é uma das piores
manifestações da ideologia pequeno burguesa.
Quarto, tendência de fracionismo. No presente momento, as
numerosas manifestações de fracionismo no Partido são produto de “amiguismo” ou
fidelidades de clã. Uns poucos indivíduos com pretensões de chefia e desejosos
de altas posições pessoais abraçam o fracionismo para atacar a outros de cargo
igual ou superior; daí o transbordamento de toda classe de práticas
desprezíveis e sujas, típicas de politiqueiros e burocratas burgueses. Esta é a
mais repugnante tendência que minava o Partido.
Quinto, distanciamento entre trabalhadores e
intelectuais. É extremamente errôneo converter a luta contra o oportunismo em
uma batalha contra os intelectuais. É certo que destes muitos se mostram vacilantes,
mas são também numerosos os que combatem desde a posição do proletariado,
enquanto que entre o proletariado existe também um bom número de sujeitos que
encontram-se distantes da ideologia proletária e encontram-se infectados pela
ideologia pequeno burguesa. Muitos camaradas, ignorantes disto, deixam de lado
a luta contra a ideologia pequeno burguesa para lançar ataques exclusivamente
contra os indivíduos de origem pequeno burguesa, criando assim um
distanciamento entre os trabalhadores e os intelectuais e incrementando as
disputas dentro do Partido. Isso reflete também a ideologia essencialmente
pequeno burguesa.
Sexto, ceticismo sobre a linha de renovação do Partido.
Se adverte com pouco entusiasmo por admitir novos ativistas, especialmente os
que provém da classe operária. Persistem velhos conceitos de organização que
mantém o Partido sempre sob uma forma de “patriarcalismo” de ordem e nomeação.
Na designação de tarefas, se confia unicamente em umas poucas pessoas com quem
um está pessoalmente familiarizado e não nos novos ativistas que surgiram da
base, especialmente os camaradas operários. Isto conduzirá a uma crescente
degeneração do organismo do Partido, a sua carência perene de vitalidade e a
sua perpétua impotência para acabar com toda ideologia pequeno burguesa.
Sétimo, formalismo na renovação do Partido. A admissão de
operários e camponeses é um método importante para a renovação do Partido. Mas,
ao aplicá-lo, muitos organismos do Partido incorrem no formalismo. Se contentam
com incorporar mecanicamente uma porcentagem de operários nos órgãos
dirigentes. Por acaso isso não resulta em que as coisas sigam sendo
monopolizadas pelas mesmas pessoas de antes, ou seja, os intelectuais? Mesmo
que tenham ocorridos casos tão absurdos como os de ditadura do secretário em
chefia. Este modo de admitir operários e camponeses não possui qualquer
sentido.
Oitavo, mentalidade mercenária para a revolução. O
partido necessita apenas de um pequeno número de revolucionários profissionais
em função de seus assuntos cotidianos. E os membros do Partido que trabalham
entre as massas devem prestar serviços ao Partido sem abandonar suas atividades
na sociedade, e só assim poderão adentrar-se nas massas. Entretanto, alguns
camaradas mantém uma mentalidade mercenária para com o trabalho. Exigem um
pagamento pelo trabalho que efetuam, e não fazem nada se não lhes pagam.
Existem quadros de células que também pedem subsídios em busca de uma igual
partilha de lucros. Isto é um gravíssimo erro.
Nono, atitude de tomar o Partido como se fosse uma
instituição de beneficência. Muitos camaradas encontrando-se na miséria por
estarem desempregados e não tem a quem recorrer, apelam ao Partido para que
este lhes solucione seus problemas de subsistência. Não compreendem que o
Partido não é uma instituição de beneficência e que seu trabalho se realiza
principalmente entre as massas e não em seus organismos dirigentes. É
absolutamente impossível que cada um tenha atribuído um trabalho nesses
organismos. E o que é mais, se os camaradas que não estão em atividade na
sociedade não fazem esforços para encontrá-la, ao mesmo tempo em que outros vão
abandonando a sua, o Partido se encontrará separado das massas e, em tal caso,
como poderá organizar e dirigir estas?
Décimo, passividade no trabalho. Muitos camaradas vacilam
em suas convicções, e quando não encontram saída no âmbito político, ou veem
disputas no seio do Partido causadas por conflitos pessoais, ou tropeçam com
dissensões criadas por fracionistas com sua prática politiqueira, se decepcionam
e não querem trabalhar ativamente. Isso é, de qualquer forma, um tipo de
pessimismo pequeno burguês. Na realidade, a revolução se desenvolve a cada dia
que passa. Sempre que nos adentramos nas massas para compreender seus
sentimentos, saberemos nos orientar por um caminho positivo. Em relação ao
nosso Partido, que é já um partido com caráter de massas, com tal que todos os
camaradas estejam unidos em uma luta resoluta, será absolutamente impossível
que um punhado de canalhas obtenham êxito em soterrar nossa organização. A
passividade constitui nada mais do que uma tendência à degeneração.
Camaradas, a mencionada ideologia pequeno burguesa
prejudica efetivamente, a cada instante, a organização do Partido e entrava seu
trabalho. Todos os camaradas devem levar a cabo decididamente uma luta pela sua
completa eliminação de nossas fileiras.
Por conta do VI Congresso Nacional do Partido(3), o
Comitê Central aplicará com firmeza as resoluções do Congresso, continuará
combatendo energicamente as tendências erradas tais como o oportunismo e o
putchismo e, também, se esforçará para erradicar do Partido todas as
manifestações da ideologia pequeno burguesa. No que se refere as disputas no
seio do Partido, o Comitê Central se opõe ao método conciliatório de remendos e
paliativos e se propõe eliminar decididamente toda ideologia não proletária. Só
assim se pode assegurar a unidade de todos os camaradas do Partido na luta
conjunta dentro do espírito bolchevique.
Camaradas, o Comitê Central está decidido a continuar
renovando a organização do Partido. Combaterá sem misericórdia a tendência de
certos camaradas a entregarem-se a disputas pessoais, seja longa ou curta sua
militância e bom ou ruim o trabalho que tem realizado. Não permitirá em
absoluto que subsista em nosso Partido proletário a mais mínima manifestação da
ideologia pequeno burguesa. O Comitê Central exige que todos os camaradas do
Partido tomem para si esta tarefa, lutem unidos e levem a cabo a bolchevização
do Partido.
O Comitê Central destaca os seguintes pontos como linha
de conduta para todos os camaradas do Partido em sua luta unida.
Primeiro, fortalecer a base proletária do Partido. O
fortalecimento da ideologia proletária no Partido pressupõe, antes de tudo,
expandir sua base organizativa proletária. Na atualidade, o caminho principal
que conduzirá a bolchevização do Partido passa a adentrar-se nos trabalhadores
industriais, estabelecer células bem fortes nas fábricas, aumentar a
porcentagem de operários na militância, reforçar preferentemente as organizações
do Partido nas zonas industriais de todo o país e dar um novo vigor ao Partido.
Segundo, fomentar discussões políticas no seio do Partido
e elevar seu nível político. Os organismos dirigentes do Partido em diversos
níveis devem efetuar, na medida do possível, discussões sobre todas as questões
políticas do Partido e encorajar os camaradas a expressar plenamente suas
opiniões sobre os temas políticos. Ao mesmo tempo, devemos intensificar a
educação política no Partido e elevar seu nível teórico. Este é um meio
positivo e correto para eliminar a ideologia pequeno burguesa.
Terceiro, ajudar os membros do Partido a buscar um
emprego. Os camaradas desempregados devem encontrar um emprego em todos os
meios que forem possíveis. Os organismos dirigentes do Partido devem ajuda-los
neste sentido. Os que não possuem qualquer habilidade profissional devem
aprender e esforçarem-se em particular para entrarem em fábricas como
operários. Os camaradas devem ajudar-se mutuamente para encontrar postos de
trabalho. Devemos fazer com que os membros do Partido não dependam deste para
sua subsistência, que sejam capazes de adentrar-se nas massas e estender a
influência do Partido entre elas e que, ao mesmo tempo, possam transmitir suas
opiniões ao Partido de forma correta para que este seja um autêntico partido de
massas.
Quarto, melhorar a vida na célula. Somente as células do
Partido estão em condições de penetrar no seio das massas para efetuar a
agitação e propaganda políticas e organizar estas. Somente elas podem dirigir
de forma flexível as lutas diárias. Se os organismos superiores do Partido se
limitam a elaborar uns planos abstratos e expedir alguns documentos de propaganda
sem que as células do Partido cumpram o papel que lhes correspondem, então o
Partido nunca entrará em contato com as massas. Por vida em uma célula não se
entende simplesmente realizar reuniões, escutar discursos políticos, pagar
cotas para o Partido e só. O mais importante é a discussão dos problemas
políticos e o trabalho de localidade em questão. Trata-se de uma fábrica, um
centro docente, um quartel militar, uma aldeia ou um bairro, cada lugar, por
pequeno que seja, possui circunstâncias políticas que lhes são próprias e
requerem métodos de trabalho que lhes correspondam. Devemos conhecer antes as
circunstâncias reais se queremos aplicar corretamente as políticas do Partido.
Esta é uma tarefa que envolve todas as células e todos os camaradas. Cumpri-la
totalmente é uma condição indispensável para que as células se edifiquem no
núcleo das massas e para que cada militante do Partido, seja o dirigente
destas.
Notas:
* - Parte IV da
“Carta a todos os camaradas” emitida pelo Comitê Central do PCCh com o
propósito de levar a cabo as resoluções do VI Congresso Nacional do Partido.
Esta parte foi redigida pelo camarada Zhou Enlai, então chefe do Departamento
de Organização do CC do PCCh.
(1) – Em 1919, a
Inglaterra, Estados Unidos, França, Japão, Itália e outros países vencedores na
Primeira Guerra Mundial realizaram em Paris a Conferência de Paz com a
Alemanha, da qual chegaram a um acordo de que deveria ser entregue ao Japão,
todos os privilégios coloniais que a Alemanha havia arrebatado na província de
Shandong da China antes da Guerra. A delegação enviada pelo governo dos
caudilhos militares da China para a Conferência estava disposta a aceitar esta
decisão. Em 4 de Maio, os estudantes de Pequim realizaram manifestações contra
a injusta decisão do imperialismo e a conciliação do governo dos caudilhos
militares. Este movimento estudantil encontrou espaço imediato em todo o povo
chinês. Depois de 3 de Junho, se converteu em um movimento massivo
anti-imperialista e antifeudal de amplitude nacional, que envolveu o
proletariado, a pequena burguesia urbana e também, a burguesia nacional.
(2) – Reunião de
emergência do Comitê Central do PCCh realizada em 7 de Agosto de 1927 em
Hankou, com a presença de 21 pessoas, entre elas membros do Comitê Central e do
Comitê de Controle. Na reunião, Qu Qiubai apresentou um informe intitulado
“Orientação de Nosso Trabalho Futuro”. A reunião aprovou uma Carta a Todos os
Militantes do Partido e resoluções sobre o movimento camponês, o movimento
operário e o trabalho organizativo, e elegeu uma nova direção central. Em um
momento crítico para a revolução chinesa, a reunião foi encerrada de forma
resoluta ao capitulacionismo de Chen Duxiu, traçou a orientação geral da
revolução agrária e luta armada contra a política genocida levada a cabo pelos
reacionários do Kuomintang, e chamou o Partido e as massas populares a
persistirem firmemente na luta revolucionária. Tudo isso foi correto e
constituiu seu aspecto principal. Entretanto, ao combater a tendência
direitista, o capitulacionismo, a reunião não compreendeu a necessidade de
organizar contra-ataques acertados ou retiradas táticas indispensáveis segundo
às circunstâncias dos diversos lugares e deu origem no organizativo a uma luta
sectária excessiva no seio do Partido, abrindo caminho para o desvio de
“esquerda”.
(3) – De 18 de Junho a 10 de Julho, o Partido
Comunista realizou em Moscou seu VI Congresso Nacional. Neste Congresso, Qu
Qiubai passou um informe intitulado “A revolução chinesa e o Partido
Comunista”; Zhou Enlai fez um informe sobre o problema organizativo e outro
sobre o militar, e Liu Bocheng apresentou um informe suplementar sobre o
problema militar. Foram aprovados uma série de resoluções sobre os problemas
político, militar e organizativo. O Congresso reafirmou que a sociedade chinesa
era uma sociedade semicolonial e semifeudal e estabeleceu que a revolução
chinesa daquela de então, seguia sendo uma revolução democrática e burguesa. Apontou
que a situação política se encontrava então em um intervalo entre dois auges da
revolução e que o desenvolvimento da revolução era desigual em zonas distintas.
Destacou que a tarefa geral do Partido naquele momento não era lançar ataques
nem organizar insurreições, mas conquistar as massas. Ao criticar o oportunismo
de direita, destacou com uma ênfase particular que a tendência mais perigosa
daquele período dentro do Partido era o putchismo, o aventureirismo militar e o
autoritarismo, que nos divorciava das massas. No essencial, o Congresso teve
resultados positivos, mas também demonstrou certos erros e defeitos. Não fez
uma apreciação correta a respeito do duplo caráter das classes médias e as
contradições internas das forças reacionárias, nem soube traçar políticas
acertadas para com estas classes e forças. Tampouco compreendeu devidamente a
necessidade que o Partido tinha de efetuar uma retirada tática bem ordenada
após o fracasso da Grande Revolução, nem teve uma clara ideia da importância
das bases de apoio rurais e o caráter prolongado da revolução democrática.