Entrevista com
Professor Jose Maria Sison sobre Cuba e Filipinas e seus povos.
Por Julia
Camagong, representante especial da América Latina da ILPS (International
League of Peoples’ Struggle)
Como
representante especial da International League of Peoples’ Struggle, eu
gostaria de entrevistá-lo como Presidente do Comitê de Coordenação
Internacional do ILPS e também como o ilustre líder do movimento de libertação
nacional das Filipinas, não menos que o presidente fundador do Partido
Comunista das Filipinas. Obrigada por concordar em fazer a entrevista.
1.
Cuba e Filipinas pertencem a dois continentes diferentes e estão a milhares de
quilômetros de distância de um do outro. Mas existe uma certa proximidade entre
o povo cubano e filipino. Como você descreve isso?
JMS: Há um
forte sentido de solidariedade e empatia entre o povo cubano e filipino porque
eles sofreram sob o colonialismo espanhol e o imperialismo norte-americano e
lutaram contra essas duas potências estrangeiras. Eles admiram uns aos outros
pela suas lutas e vitórias revolucionárias. O povo filipino é inspirado pela
grande vitória do povo cubano em libertar-se do imperialismo norte-americano e
das classes reacionárias locais, dos grandes compradores e dos proprietários de
terras representados pelo regime de Batista.
Eu presumo que
há um número considerável de cubanos com ancestrais filipinos porque muitos
filipinos foram trazidos para trabalhar na indústria do tabaco, os
‘’tabacaleros’’. Havia tantos filipinos que a província de Pinar del Rio em
Cuba era anteriormente chamada de ‘’Nova Filipinas’’ nos séculos XVIII e XIX.
Os cubanos os chamam de ‘’Chineses de Manila’’.
Atualmente, a
proximidade dos povos cubano e filipino se manifesta pela Associação de Amizade
Filipinas-Cuba. De ano para ano, ocorrem atividades de solidariedade nas
Filipinas e intercâmbios culturais entre Cuba e Filipinas. Desde quando a luta
do povo filipino contra a ditadura fascista de Marcos intensificou-se na
primeira metade dos anos 1980, a embaixada cubana mostrou simpatia e apoio com
o BAYAN e outras organizações do movimento nacional democrático do povo.
2.
Pode-se dizer que as experiências históricas e os destinos dos cubanos e dos
filipinos estão interligados. Poderia explicar melhor?
JMS: O
colonialismo espanhol impôs tanto para as Filipinas como para Cuba, padrões
semelhantes de governo teocrático, de economia feudal e de cultura medieval.
Ele usou o sistema de ecomienda, a escravidão e trabalhos forçados e tributos
feudais para estabelecer as bases do feudalismo em ambos os países. Tanto os
cubanos como os filipinos foram capazes de libertarem-se do domínio colonial
espanhol.
Mas os EUA
intervieram. Como um potência imperialista nascente, os EUA derrotaram o
colonialismo espanhol na Guerra americano-espanhol de 1898 e agarrou Cuba,
Porto Rico e as Filipinas para impor seu domínio colonial nos termos do Tratado
de Paris de dezembro de 1898. Desde então, o povo filipino e o cubano criaram
um vínculo por meio do desejo comum de lutar e derrotar o imperialismo dos EUA
e seus fantoches. O povo filipino pode aprender muito com o povo cubano, em
libertar-se do domínio dos EUA e manter a sua independência nacional e sistema
social.
3.
Em sua experiência própria, como a Revolução Cubana liderada por Fidel Castro
atraiu sua atenção e interesses? Como seu interesse cresceu posteriormente?
JMS: Enquanto
Fidel Castro e os revolucionários cubanos ainda estavam em Sierra Maestra, a
luta revolucionária destes prendeu a atenção do mundo e claro, a organização
estudantil da qual eu pertencia na Universidade das Filipinas. Nossa
organização estava engajada em formar círculos de estudos com o propósito de
retomar a inacabada revolução filipina pela libertação nacional e social contra
a dominação feudal e estrangeira. Assim, nós fomos atraídos pela luta
revolucionária do povo cubano liderada por Fidel Castro, Che Guevara e outras
pessoas jovens como nós. Nós comemoramos a vitória da revolução cubana em 1959.
Fizemos isso por meio de encontros e publicações de artigos sobre a revolução
cubana no Philippine Collegian, o jornal dos estudantes. Nós ficamos ainda mais
empolgados com o fim da propriedade feudal das fazendas e a dramática
nacionalização da United Fruit e de outras empresas norte-americanas nos EUA.
Nós ficamos admirados e fomos inspirados pelas ações revolucionárias levadas a
cabo contra o imperialismo norte-americano e os reacionários locais.
Nós estávamos
entre os mais entusiasmados em assistir as sessões de filmes na embaixada
cubana em Manila, em 1961. Quanto mais os EUA vociferava contra a revolução
cubana, mais apoiávamos a causa justa da revolução cubana. Nós ficamos
indignados quando as autoridades filipinas, sob as ordens dos EUA, fecharam a embaixada
cubana.
4.
Você pode narrar e avaliar como os revolucionários cubanos liderados por Fidel
Castro lutaram e venceram a revolução contra o regime de Batista? Como eles
levaram a cabo a revolução social depois da tomada do poder político?
JMS: O ataque
ao quartel Moncada foi uma importante iniciativa dos revolucionários cubanos
para dar o sinal da necessidade e do início da revolução armada. Mas foi a
guerra de guerrilhas em Sierra Maestra que quebrou a coluna do regime de
Batista. 5000 tropas do regime foram derrotadas ali. Nós podemos dizer que os
revolucionários cubanos usaram as regiões rurais para mobilizar os camponeses e
trabalhadores de fazendas e assim tiveram espaço para construir o exército
revolucionário. Ao mesmo tempo, o movimento de massas urbano estava crescendo e
se desenvolvendo. Assim, foi possível derrubar o regime de Batista com uma
combinação de uma bem sucedida guerra de guerrilhas no campo e um levante de
massas nas zonas urbanas que deram as boas vindas para as forças de Castro em
Havana.
Depois da
apreensão do poder político, os revolucionários cubanos queriam levar a
revolução social até o fim. Assim, eles decidiram levar a cabo uma revolução
socialista. Por um certo período, quadros comunistas foram treinados para esse
fim. O Partido Comunista de Cuba foi estabelecido como o destacamento avançado
da classe trabalhadora para liderar o povo cubano na linha socialista da
revolução. Preparativos internos tiveram que ser feitos para a apreensão das
empresas norte-americanas. A reação violenta dos EUA foi antecipada. Para fazer
crescer a revolução cubana, o Partido Comunista de Cuba levantou a bandeira do
internacionalismo proletário e estabeleceu relações próximas com os países
socialistas, incluindo a China e a União Soviética.
5.
Qual foi sua reação quando os Estados Unidos tentou derrubar o governo
revolucionário de Cuba com o uso de forças invasoras na Baia dos Porcos e de
planos de assassinato contra Fidel Castro? E o que você pensou da colocação de
armas nucleares em Cuba por parte dos soviéticos?
JMS: Foi desprezível e ultrajante para o governo norte-americano
ter organizado as forças mercenárias que desembarcaram na Baia dos Porcos e por
haverem atentado várias vezes o assassinato do camarada Fidel Castro. Nós lançamos ações de protesto em
massa e publicações contra os atos norte-americanos de intervenção e agressão
contra Cuba e o povo cubano.
No seu
conjunto, a colocação de mísseis nucleares soviéticos em Cuba ajudou a
dissuadir qualquer ataque em larga escala em Cuba pelos Estados Unidos. Mesmo
quando Khrushchev retirou as armas
nucleares, os EUA ainda não era possibilitado de realizar ataques em larga
escala ou usar armas nucleares contra Cuba, pois os EUA estava vinculado por um
acordo de não ameaçar Cuba com armas nucleares e foi fortemente lembrado de que
a base militar norte-americana na Turquia era também vulnerável à retaliação
soviética.
6.
Em retrospecto, o que você acha da quebra das relações Cuba-China na década de
1960 e os desenvolvimentos subsequentes?
JMS: Eu fiquei
imediatamente triste quando fiquei sabendo sobre a quebra. Houve um problema
sobre o arroz. E, posteriormente, uma série de questões políticas e ideológicas
surgiram. Mas os comunistas filipinos se abstiveram de uma aliança como Partido
Comunista da China contra Cuba, embora nós nos alinhamos com os chineses contra
o Partido Comunista da União Soviética. Mantivemos nosso grande respeito com o
povo, a revolução e o P.C. de Cuba e nos abstivemos de qualquer pronunciamento
contra eles.
7.
O que você pensa de Che Guevara?
JMS: O
camarada Che Guevara foi um ilustre combatente revolucionário do proletariado e
foi um mártir revolucionário altruísta. Ele realizou esforços heróicos para
promover a revolução proletária mundial e fez crescer os movimentos de libertação
nacional, especialmente na América Latina e na África. Eu admiro seu espírito e
seus feitos revolucionários. Estes, inspiram os revolucionários filipinos.
8.
O que você acha do apoio cubano aos movimentos de libertação nacional africanos
na década de 1970?
JMS: Eu havia
apreciado muito o apoio dos cubanos revolucionários aos movimentos de
libertação nacional na África nos anos 1970. Os camaradas cubanos agiram no
espírito do internacionalismo proletário ao ajudar os povos africanos a
libertarem-se do colonialismo e quebrando a capacidade do exército reacionário
sul-africano em engajar-se em agressões e, portanto, fazendo com que o regime
do apartheid enfraquecesse e buscasse um acordo com o Congresso Nacional
Africano.
9.
O que você pensa sobre as relações dos cubanos com a China e a Rússia nos
tempos atuais?
JMS: Cuba pode
beneficiar-se das relações diplomáticas e comerciais com a China e com a
Rússia. Estes dois últimos podem também se beneficiar com essas relações. Eles
são países formidáveis que podem contrabalançar as piores imposições econômicas
e atos agressivos do imperialismo norte-americano e seus aliados da OTAN. A
Organização de Cooperação de Xangai e o bloco econômico dos BRICS, no qual a
Rússia e a China são os principais parceiros, são grandes obstáculos para a
hegemonia imperialista norte-americana.
10.
Do que você mais gosta em Cuba, nos termos socioeconômicos e políticos?
JMS: O que eu
mais admiro é a determinação e a militância do governo e do povo cubano em
afirmar, defender e promover a independência nacional e em aspirar e trabalhar
pelo socialismo. Eles têm feito grandes conquistas políticas, sociais,
econômicas e culturais apesar das várias décadas de bloqueio econômico e atos
de agressão exercidos pelo imperialismo norte-americano.
11.
Existem relações entre as organizações revolucionárias cubanas e filipinas?
JMS: De acordo
com a suas respectivas publicações, o Partido Comunista das Filipinas e a
Frente Democrática Nacional das Filipinas possuem relações com o Partido
Comunista de Cuba e outras forças revolucionárias do povo cubano.
12.
Nos últimos anos, você esteve envolvido em algum movimento de apoio ao povo
cubano?
JMS: Claro, eu
já estive em solidariedade com o povo cubano sobre as grandes questões em
defesa de sua independência nacional e de seu sistema social. A Liga
Internacional de Luta dos Povos (ILPS), da qual sou o presidente, tem apoiado
as posições anti-imperialistas e democráticas de Cuba. Tenho participado de
encontros e falado em defesa da liberdade dos ‘’Cinco Cubanos’’. Estou,
portanto, muito feliz com a completa liberdade de todos os cinco. Eles foram
todos soltos em última instância, devido à ampla solidariedade exigindo sua
libertação.
13.
Dentro do contexto da ILPS, o que é mais significativo sobre a revolução
cubana?
JMS: Eu sempre
digo que a revolução cubana é excepcional e única. Foi uma revolução socialista
que surgiu não como uma consequência direta de uma guerra mundial, diferente da
Rússia, onde a revolução ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial e da China e
de outros países onde a revolução socialista emergiu como um resultado da
Segunda Guerra Mundial. Se o povo cubano pode fazer uma revolução com apenas
145 quilômetros de distância da besta, por que os povos do resto do mundo não
poderiam? A revolução cubana é uma inspiração para os povos de todos os
lugares, não apenas para a América Latina ou África.
Quando a
vontade revolucionária dos povos é afirmada e a linha, estratégia e táticas
corretas são adotadas, a revolução pode avançar e ter sucesso em várias partes
do mundo.
14.
O que você acha da normalização das relações entre Cuba e Estados Unidos? Você
acha que Cuba pode manter-se firme nas negociações com os EUA para completar a
retirada do embargo? E você também acha que Cuba será capaz de gerenciar a
entrada de empresas norte-americanas, suas tecnologias e suas próprias ideias
de modernização ou mesmo de subversão em uma linguagem mais direta.
JMS: A
normalização das relações comerciais e diplomáticas entre os EUA e Cuba são
bem-vindas. Relações como essas devem existir entre países, independentemente
de sua ideologia ou sistema social. Eu acredito que Cuba pode se manter firme
nas negociações com os EUA. Cuba possui os princípios e a experiência
revolucionária para manter a sua independência nacional e para realizar a
normalização de relações diplomáticas e comerciais. O presidente cubano Raul
Castro é altamente competente e baseado nesses princípios. Ele goza do apoio do
povo cubano e de Fidel Castro.
Com princípios
revolucionários e com os 59 anos de resistência e combates contra as agressões,
embargo, propaganda e subversão norte-americanas, o governo e o povo cubano
devem continuar alertas e adotar políticas e meios para controlar e direcionar
a entrada de companhias e tecnologias norte-americanas, conter ideias
imperialistas de modernização e prevenir a subversão e a destruição da
independência nacional e das aspirações socialistas.
15.
Os EUA não deve desistir de Guantánamo e o que deve ser feito para pressionar
os EUA para desistir?
JMS:
Certamente, os EUA deve desistir de sua base militar em Guantánamo. O povo e o
governo cubano devem exigir o desmantelamento daquela base militar em
Guantánamo. Os EUA está segurando Guantánamo em violação da soberania cubana e
da integridade territorial de Cuba. Os povos do mundo todo devem apoiar o povo
cubano nessa questão. Não é muito difícil para os EUA desistir de Guantánamo.
Os britânicos desistiram de Hong Kong. Os EUA desistiu de Taiwan sob o
princípio da política da ‘’Uma China’’. Sob pressão do povo filipino, até mesmo
o governo fantoche das Filipinas foi capaz de reduzir o acordo da ‘’concessão
perpétua’’ que passou a cobrir as bases militares e reservas norte-americanas
para apenas 25 anos em 1966. Os EUA também desistiram de suas bases militares
na Tailândia logo após a Guerra do Vietnã. O povo filipino foi capaz de remover
as bases militares norte-americanas em 1991. O povo cubano, sem dúvidas, pode
fazer o mesmo.
16.
Alguma vez você já esteve em Cuba? Quando e sob quais circunstâncias? Se sim,
quais lugares você visitou?
JMS: Sim,
Julie e eu estivemos em Cuba em 1988. Nós viemos da Nicarágua para observar o
progresso da revolução sandinista. Nós encontramos os líderes do governo,
sindicatos, mulheres, jovens e outros setores da sociedade cubana. Nós
visitamos diversos lugares, Havana e outras cidades, e fomos até as
proximidades da base militar norte-americana em Guantánamo.
17.
Você é conhecido por ser capaz de cantar? Você conhece alguma música cubana de
memória? Você pode cantá-la?
JMS: Eu posso
cantar Guantanamera tanto no original em espanhol como na minha versão
traduzida para o ‘’Tagalog**’’. Eu posso cantar as duas versões agora,
especialmente se você se juntar a mim. Eu tenho uma gravação em CD da música.
Está no meu website: http://josemariasison.org/
18.
Por que você gosta tanto da Guantanamera a ponto de memorizar e gravá-la até
mesmo em um CD?
JMS: Eu gosto
da Guantanamera porque sua letra, escrita pelo revolucionário patriota cubano Jose
Marti, é linda de uma forma lírica e metafórica e possui um grande significado
revolucionário. E o rítmo da música é bem animado. Até da para dançar. Agora,
vamos cantá-la.
Guantanamera em espanhol
Guantanamera, guajira Guantanamera
Guantanamera, guajira Guantanamera
(Repetir o par de versos)
Yo soy un hombre sincero
De donde crecen las palmas
Y antes de morirme quiero
Echar mis versos del alma
Guantanamera, guajira Guantanamera
Guantanamera, guajira Guantanamera
Mi verso es de un verde claro
Y de un carmín encendido
Mi verso es un ciervo herido
Que busca en el monte amparo
Guantanamera, guajira Guantanamera
Guantanamera, guajira Guantanamera
(Repetir o par de versos)
Con los pobres de la tierra
Quiero yo mi suerte echar
El arroyo de la sierra
Me complace más que el mar
Guantanamera, guajira Guantanamera
Guantanamera, guajira Guantanamera
(Repetir o par de versos)
GUANTANAMERA, tradução por
Jose Maria Sison
Guantanamera, guajira Guantanamera
Guantanamera, guajira Guantanamera
(Repetir o par de versos)
Ako’y lalaking sinsero
Sa lupa ng mga palma
Ako’y lalaking sinsero
Sa lupa ng mga palma
Nais kong bago yumao
Maghasik ng tula ng diwa.
Guantanamera, guajira Guantanamera
Guantanamera, guajira Guantanamera
Tula ko’y luntiang malinaw
At pulang nag-aalab
Tula ko’y luntiang malinaw
At pulang nag-aalab
Tula ko’y usang may-sugat
Na nagkanlong sa gubat.
Guantanamera, guajira Guantanamera
Guantanamera, guajira Guantanamera
(Repetir o par de versos)
Sa piling ng mahihirap
Ay nais kong makibaka
Sa piling ng mahihirap
Ay nais kong makibaka
Ang bukal sa kabundukan
Mas maginhawa kaysa dagat.
Guantanamera, guajira Guantanamera
Guantanamera, guajira Guantanamera
Nota do tradutor:
** :
‘’Tagalog’’ é um idioma das Filipinas. Se pronunciássemos em português, ficaria
‘’Tagalo’’.